quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Quem dá o tom?


Um campeão de vendas.

10 milhões de cópias vendidas em menos de 2 meses!

Um fenômeno devorado quase que exclusivamente por mulheres: 99% dos leitores mundiais são as mulheres.

Um romance escrito por uma mulher, falando de mulher, dos desejos dessa mulher, dos prazeres dessa mulher, lido assim tão avidamente por tantas mulheres...

Qual seria o ingrediente mágico e provocador que está naquelas páginas, que as faz consumir tão rapidamente os livros?

Que tipo de segredo ou enredo faria desse romance um sucesso assim?

Espalhados pelo mundo, em tantos idiomas, em tantas mãos femininas, o primeiro e o segundo volume de uma trilogia best seller.

E as mulheres querem mais!

Já estão nas portas das livrarias ou tentando baixar na net o terceiro volume.

Vale lembrar que o primeiro volume bateu o recorde de downloads entre os e-books, ultrapassando 1 milhão!

Quem é essa escritora capaz desse feito, que nunca tinha escrito antes, que não era conhecida?

Quem é essa dona de casa, mãe de filhos adolescentes, que encontrou esse tom perturbador, perverso e estimulante?

Teria ela um dom desconhecido, fantástico, seria ela a melhor escritora de todos os tempos?

Não, não tem a ver com dom.

Só uma descoberta de um filão ansioso por esse tipo de leitura.

Acredito mais nas luzes que ela usou para alcançar esse resultado, nos tons que ela escolheu para desenhar esse tão conhecido encontro entre um homem e uma mulher.

Mulheres que querem ler sobre sexo, que acham gostoso ler sobre sexo e que finalmente estão dizendo isso aos quatro ventos e aos seus maridos.

Mulheres que finalmente admitiram que também gostam de erotismo. De alguma coisa que pode beirar o pornográfico, o vulgar.

Estão com os livros nas salas de espera dos consultórios, nas suas mesas de cabeceira, nos bancos dos ônibus, nas mesas dos cafés. Não escondem mais.

Mulheres que estão felizes pela vida vivida pela protagonista jovem e virgem, pelo que ela experimenta.

Elas sentem prazer com o prazer da outra. E ficam felizes por isso.

Algumas admitem que gostariam de experimentar algumas coisas que conheceram nos livros, outras admitem que gostariam de outras coisas e outras ainda gostariam de todas as coisas que leram nos livros... Outras até assumem que nada era novo para elas.

Claro que sempre tem algumas que se dizem horrorizadas pelo que leram. Mas é assim mesmo, sempre tem exceção à regra!

A protagonista apaixona-se pelo seu parceiro das aventuras logo no início do livro.

Amor e sexo misturados. Amor e erotismo. Amor e fetiches.

Será que finalmente depois de quase 50 anos de lutas para terem os mesmos direitos que os homens, as mulheres se sentem liberadas para dizer que gostam de algumas práticas diferentes na vida sexual?

Ou será que só estão dizendo isso porque estão amparadas pelo amor que está junto no romance?

Ainda precisam de amor para viver o sexo?

Ainda precisam acreditar no príncipe encantado e nos contos de fada?

Mulheres, tantas mulheres, se tornando uma só.

Um perfil novo de mulher.

Uma mulher nova que quer dar o tom.

Que, apesar da contradição aparente de querer ser dominada, quer também ser dominante.

Quer dar o tom.

Na verdade, escrevi isso para me ajudar a entender. Entender esse fenômeno.

Mas desisti.

Se nem Freud, que assumiu não saber definir o que deseja a mulher depois de tantos anos de estudo sobre o feminino, quem sou eu para desvendar alguma coisa?

Só me sinto feliz por estarmos mais livres.

Por podermos falar mais abertamente sobre desejos, sobre nosso corpo, nosso erotismo, nossos prazeres.

Gosto dessa ideia de dizermos para os homens aonde eles devem ir, como devem percorrer esse caminho e que também gostamos do que eles gostam.

Gosto dessa ideia de fingir aceitar essa submissão, mas na verdade estar realizando nossos próprios desejos e ser menos hipócritas, mais corajosas.

Já estava na hora. O tom também sou eu quem dá!




sexta-feira, 14 de setembro de 2012

 Medo, impunidade e travesti


Cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo, me confirmam a fragilidade do que é viver.
A vida como pena, leve, fugitiva, rápida, efêmera.
Não é minha, não tem dono, não é de ninguém. Não é sua também.
É do acaso. Do imponderável.
Pode ser de um irresponsável, do resultado da injustiça social, da impunidade, das drogas.
Minha definitivamente não é. Não é sua também.
O segundo que passou poderia ter sido determinante, fatal, o último.
Não foi. Mas poderia ter sido.
E mudou o instante próximo e o segundo próximo, e todos os que seguiram...
Os meus e os da minha família.
Sábado de tarde, num sábado de repouso, de descanso, de planos, de família, de aconchego, fomos invadidos.
Nós quatro, invadidos por todos os poros.
Por todos os cantos, por nossas veias, pupilas e pelas narinas.
Fomos tomados pelo medo, em cada pedacinho de nós, nas nossas gavetas, nos nossos esconderijos mais ingênuos e profundos, no nosso mais raso pensamento.
Na alma e nos nossos conceitos todos.
Nos tesouros de valor sentimental de cada um, uma mão suja e sem dó vasculhou, desvirginou.
Fomos arrombados e sangramos.
Machucados invisíveis , mas de muita dor.
Nós que trabalhamos, que construímos nosso dia a dia, que cuidamos do outro, que dividimos, damos empregos, olhamos o próximo, respeitamos.
Nós quatro que pagamos impostos, somos descontados na fonte, que não atrasamos nossas prestações. Nós que não deixamos o nosso alimento e o nosso cobertor nos fazer esquecer da fome e do frio do outro.
Nós quatro que fazemos trabalhos voluntários, que não esquecemos das diferenças e que tentamos ser o mais justos e humanos possíveis.
Vítimas de menores perante a sociedade, vítimas da impunidade.
Da chance que não os faz melhores, só os faz mais brutos, “mais maus”.
Menores maus, sim!
Porque são diferentes do menores bons, daqueles que percorrem caminhos mais difíceis, mais longos, porém corretos.
Não digo que seja fácil, aqui, no meio de tanta injustiça social.
Mas também eu poderia comparar a minha vida regrada, esforçada, contada, com a vida do político inescrupuloso, do empresário sonegador, dos foras da lei, dos que enganam, dos que levam vantagens...
Meu filho foi parar numa delegacia, porque a polícia pegou os meninos em flagrante. 
Precisava ser feito um boletim de ocorrência.
Nós, então, nos sentimos seguros, porque estávamos sendo acompanhados por policiais, sendo protegidos.
Nós nos sentimos num país de primeiro mundo quando soubemos que a perícia viria em casa para recolher dados para a investigação e o processo.
Nós achamos que já que eles (os meninos) tinham sido pegos em flagrante, recuperaríamos o que fora roubado, menos a dignidade, é claro. Essa é difícil de recuperar. E a tranquilidade também, porque tudo virou de cabeça para baixo.
Mas os bens materiais, que também não fazem falta nessas circunstâncias, voltariam...
Claro que não voltaram, completamente. Ficaram por aí. Espalhados.
Entre marginais e policiais. Num acordo mudo e sujo.

Nós nos calamos. Porque é mais seguro, conveniente. Não ganharíamos nada, mesmo. Só poderíamos perder.
Os menino-ladrões saíram da delegacia antes do meu filho. Eles já tinham antecedentes, muitos até portando armas, mas não fez diferença. E olha que as armas não eram de brinquedo, não eram de meninos!
Não iam para lugar algum de detenção, porque estava tudo lotado, porque não tinha nexo, porque amanhã mesmo estariam soltos.
Saíram antes do meu filho, amparados pelos pais e por nossas leis caducas.
Devem ter feito um lanche e descansaram antes do meu filho voltar para casa.
Meu filho ficou bastante tempo na delegacia. Meu filho precisou cumprir a burocracia.
Precisou assistir a conversa da delegada com o travesti que tem fetiche por sapatos. Precisou conhecer a história do travesti que não consegue passar impune por sapatos de salto alto nas vitrines de calçadas suspeitas onde se satisfaz e satisfaz outros homens. Precisou ouvir a quantidade de sapatos que o travesti reincidente se orgulhava de possuir em seu armário, e até ficou sabendo do par de sapatos de salto alto vermelho que um dia ele presenteara a delegada, porque ele devia ser mais feminina...

Nossa casa vai virar uma prisão. Já estamos fazendo orçamentos de grades, câmeras e alarmes.
Nossa casa parece desconhecida para nós agora. Parece suja. Não é mais a mesma.
Não é mais amiga. Desconfiamos dela.
Nos trancamos agora com todas as chaves possíveis.
Andamos amedrontados por seus corredores, não nos divertimos mais com as sombras.
Pelo menos por enquanto é assim.
Porque está tudo ainda muito fresco na lembrança.
Depois? Depois ainda não sabemos.
Vamos nos resignar. Vamos esperar a justiça fazer sua parte.
Dizem por aí que ela tarda mas não falha, não é?