Cada dia, cada hora, cada
minuto, cada segundo, me confirmam a fragilidade do que é viver.
A vida como pena, leve,
fugitiva, rápida, efêmera.
Não é minha, não tem dono,
não é de ninguém. Não é sua também.
É do acaso. Do imponderável.
Pode ser de um irresponsável,
do resultado da injustiça social, da impunidade, das drogas.
Minha definitivamente não é.
Não é sua também.
O segundo que passou poderia
ter sido determinante, fatal, o último.
Não foi. Mas poderia ter
sido.
E mudou o instante próximo e
o segundo próximo, e todos os que seguiram...
Os meus e os da minha
família.
Sábado de tarde, num sábado
de repouso, de descanso, de planos, de família, de aconchego, fomos invadidos.
Nós quatro, invadidos por
todos os poros.
Por todos os cantos, por
nossas veias, pupilas e pelas narinas.
Fomos tomados pelo medo, em
cada pedacinho de nós, nas nossas gavetas, nos nossos esconderijos mais
ingênuos e profundos, no nosso mais raso pensamento.
Na alma e nos nossos
conceitos todos.
Nos tesouros de valor
sentimental de cada um, uma mão suja e sem dó vasculhou, desvirginou.
Fomos arrombados e sangramos.
Machucados invisíveis , mas
de muita dor.
Nós que trabalhamos, que
construímos nosso dia a dia, que cuidamos do outro, que dividimos, damos
empregos, olhamos o próximo, respeitamos.
Nós quatro que pagamos
impostos, somos descontados na fonte, que não atrasamos nossas prestações. Nós
que não deixamos o nosso alimento e o nosso cobertor nos fazer esquecer da fome
e do frio do outro.
Nós quatro que fazemos
trabalhos voluntários, que não esquecemos das diferenças e que tentamos ser o
mais justos e humanos possíveis.
Vítimas de menores perante a
sociedade, vítimas da impunidade.
Da chance que não os faz
melhores, só os faz mais brutos, “mais maus”.
Menores maus, sim!
Porque são diferentes do
menores bons, daqueles que percorrem caminhos mais difíceis, mais longos, porém
corretos.
Não digo que seja fácil, aqui,
no meio de tanta injustiça social.
Mas também eu poderia
comparar a minha vida regrada, esforçada, contada, com a vida do político
inescrupuloso, do empresário sonegador, dos foras da lei, dos que enganam, dos
que levam vantagens...
Meu filho foi parar numa
delegacia, porque a polícia pegou os meninos em flagrante.
Precisava ser feito
um boletim de ocorrência.
Nós, então, nos sentimos
seguros, porque estávamos sendo acompanhados por policiais, sendo protegidos.
Nós nos sentimos num país de
primeiro mundo quando soubemos que a perícia viria em casa para recolher dados
para a investigação e o processo.
Nós achamos que já que eles
(os meninos) tinham sido pegos em flagrante, recuperaríamos o que fora roubado,
menos a dignidade, é claro. Essa é difícil de recuperar. E a tranquilidade
também, porque tudo virou de cabeça para baixo.
Mas os bens materiais, que
também não fazem falta nessas circunstâncias, voltariam...
Claro que não voltaram,
completamente. Ficaram por aí. Espalhados.
Entre marginais e policiais.
Num acordo mudo e sujo.
Nós nos calamos. Porque é
mais seguro, conveniente. Não ganharíamos nada, mesmo. Só poderíamos perder.
Os menino-ladrões saíram da
delegacia antes do meu filho. Eles já tinham antecedentes, muitos até portando armas, mas não fez diferença. E olha que as armas não eram de brinquedo, não
eram de meninos!
Não iam para lugar algum de
detenção, porque estava tudo lotado, porque não tinha nexo, porque amanhã mesmo
estariam soltos.
Saíram antes do meu filho,
amparados pelos pais e por nossas leis caducas.
Devem ter feito um lanche e
descansaram antes do meu filho voltar para casa.
Meu filho ficou bastante tempo na
delegacia. Meu filho precisou cumprir a burocracia.
Precisou assistir a conversa
da delegada com o travesti que tem fetiche por sapatos. Precisou conhecer a
história do travesti que não consegue passar impune por sapatos de salto alto
nas vitrines de calçadas suspeitas onde se satisfaz e satisfaz outros homens.
Precisou ouvir a quantidade de sapatos que o travesti reincidente se orgulhava
de possuir em seu armário, e até ficou sabendo do par de sapatos de salto alto
vermelho que um dia ele presenteara a delegada, porque ele devia ser mais
feminina...
Nossa casa vai virar uma
prisão. Já estamos fazendo orçamentos de grades, câmeras e alarmes.
Nossa casa parece
desconhecida para nós agora. Parece suja. Não é mais a mesma.
Não é mais amiga.
Desconfiamos dela.
Nos trancamos agora com todas
as chaves possíveis.
Andamos amedrontados por seus
corredores, não nos divertimos mais com as sombras.
Pelo menos por enquanto é
assim.
Porque está tudo ainda muito
fresco na lembrança.
Depois? Depois ainda não
sabemos.
Vamos nos resignar. Vamos
esperar a justiça fazer sua parte.
Dizem por aí que ela tarda
mas não falha, não é?
Sil Queridaaaaaaa
ResponderExcluirSem mais palavrassssssssss no momento silêncio reflexão e compaixão