segunda-feira, 25 de junho de 2012


Ela era uma mulher como eu.

Parecia aflita, olhava para trás a cada minuto, como se estivesse sendo perseguida.

Estava sentada na calçada, escondida entre os vasos com plantas que enfeitavam a entrada da loja chique, nesse bairro chique da cidade.

Ela era negra. Escura.

Escura como o que nos amedronta: um quarto sem luz, uma porta para o desconhecido, um túnel, a tempestade, a noite.

Ela era para nós o retrato do medo e nós para ela o que seríamos?      

Teria medo de mim? Teria medo de nós?

Ela era negra, escura, retinta. Seus cabelos estavam despenteados e conseguiam ser mais negros que a pele da negra.

Ela coçava o pescoço o tempo todo, como um tique, ou porque estava suja, não sei.

Seus olhos eram negros e inquietos e tristes...

A única cor diferente do negro estava nos seus olhos. Um pouco de branco para aliviar o escuro.

Seus dentes, não pude ver. Ela não sorriu. Ela não sorria.

Era quase esquálida. Ossos e pele.

Era magra demais. Era fome demais. Era tristeza demais.

Na verdade, ela parecia um bicho enjaulado.  Uma pantera negra.

Ela estava enjaulada por nós, por mim. Enjaulada numa posição desprivilegiada, marginalizada, acorrentada.

E pior que tudo, resignada.

Estava onde a colocamos. Não brigava, não lutava, nada tentava...

Ou talvez já tivesse aprendido que nada adiantava. Era aquele o seu lugar.



Mas ela era igual a mim. Nós éramos mulheres da mesma espécie.

Humana? Já não sei mais o que quer dizer isso...

Nós éramos iguais. Mas eu saía da loja com uma roupa nova na sacola da cor de ouro.

Meu carro me aguardava com o manobrista fantasiado com luvas, e quepe e submissão.

Dentro do carro, o ar com certeza estaria agradável, não estaria esse inferno que está na calçada, esse inferno que faz a negra brilhar e brilhar e espelhar mais e mais a cada minuto a minha vergonha.

Roupa nova para quê mesmo?

Que coisa sem senso, que coisa insana!

Para que mesmo uma roupa bonita, cara, se ali na calçada a moça se esconde amedrontada de sei lá o que ou sei lá quem?

Será que se esconde do dia? Será que é do dia que ela tem medo? Do claro? Do mais claro possível?

Do branco? Do limpo?

Ela está ensopada. Sua blusa está grudada em seu corpo e suas costelas marcam a roupa de cor nenhuma.

Ela é uma poça. Um saco de lixo vazio, um cachorro.

Ela não se sente gente...

E eu, me envergonho de estar em pé. De ter comido hoje, e ontem. De ter tomado banho, de ter dormido em lençóis de linho, de ter pensado em qualquer outra coisa que não essa mulher que agoniza em silêncio. Quieta. Envergonhada. Tímida. Como se não tivesse direito ao grito, ao ar...

Ela é minha cegueira. Ela é o que finjo ignorar. Ela é o peso que não quero no meu corpo.

Eu não sou gente!

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